A decisão judicial pode ser definida como o resultado “da premissa maior, deduzida da lei e a premissa menor, decorrente dos fatos apurados, os quais, pela razão, poderiam redundar em uma conclusão lógica”[1].
Conforme José Miguel Garcia Medina, “a sentença, no projeto de NCPC (tanto na versão do Senado, quanto na da Câmara dos Deputados) é definida pelo momento processual em que é proferida (já que “põe fim” ao processo ou “fase” processual) e também pelo conteúdo[2]”.
Então, o que torna uma decisão judicial? O que a diferencia das demais? No conteúdo ou no interior da decisão, encontram-se elementos ou requisitos que caracterizam e distinguem a sentença, de decisões interlocutórias ou despachos dados ao longo do processo, os quais estão previstos nos Códigos Processuais Civil e Penal, respectivamente, nos artigos. 489 e 381.
Desse modo, para a compreensão do presente trabalho, tais elementos contidos em todas as decisões judicias, caracterizam e formam a parte objetiva da sentença, ou seja, onde é constituída as semelhanças entre si, e a diferenciação com relação a outras peças processuais.
A presença dessas informações, como por exemplo, o relatório dos autos, o apontamento dos dispositivos legais abarcados e principalmente a fundamentação, é importante para assegurar os direitos processuais das partes, impossibilitando dessa forma, que sejam proferidas decisões arbitrárias, ou embasadas, exclusivamente, por fundamentos que estão para além da esfera jurídico-normativa. Nesse sentido, a fundamentação tem um significativo papel, pois, segundo a Doutora Cláudia Servilha Monteiro, “a prevenção da arbitrariedade na justificação das decisões judiciais realiza-se pela apresentação de suas razões, o que lhes confere maior legitimidade”[3].
Ainda, Lênio Streck afirma que:
“a Constituição diz que a fundamentação é condição de possibilidade de uma decisão ser válida. Mais do que isso, esse dever de fundamentação coloca uma pá de cal sobre antigos entendimentos de que uma decisão poderia ser dada por livre convencimento, desde que esse fosse “motivado”. Evidentemente que motivação não é o mesmo que fundamentação.”[4]
Deste modo, emprega-se, na lógica do presente trabalho, como conceito operacional[5] de fundamentação, a aplicação e adequação da conduta ao direito, ou seja, a subsunção do fato concreto à norma jurídica, bem como a indicação dos dispositivos e sustentação argumentativa de sua relevância para o caso analisado na peça decisional, compondo a parte objetiva da decisão, como dito anteriormente. De igual maneira, para a categoria[6] motivação, também será adotado um conceito operacional, quer seja ele, os motivos que levaram o julgador a julgar de um jeito ou de outro, os quais muitas vezes estão para além do direito e para além da fundamentação jurídico-normativa[7].
Portanto, fundamentar a decisão não é o mesmo que motivar ou justifica-la como também assertivamente aponta, novamente, a autora Cláudia Monteiro:
“em qualquer perspectiva da atividade decisional, justificar a decisão judicial significa torná-la aceitável mediante a indicação de sua fundamentação jurídica, ou seja, ela aplicou o Direito... A justificação é o índice de racionalidade que aquela decisão possui. São muitas as razões que podem estar incluídas em uma justificação, o emprego das razões justificadoras remete à questão axiológica. Para se justificar o Direito, ele deve estar articulado com o plano das valorações e também da moralidade. A compreensão do vínculo entre o fenômeno jurídico e o plano da moralidade é precondição de estruturação de uma Teoria da Decisão racional.”[8].
Por consequência dessa separação de conceitos, a motivação, juntamente com o caso concreto e suas particularidades, passa a compor a parte subjetiva da peça decisional, onde se encontrarão elementos que não mais as assemelham, mas sim as distinguem umas das outras, aspectos que as diferenciam entre elas mesmas. A motivação é o combustível da decisão, aquilo que impulsionará os mecanismos pelo qual se dará o processo decisional e então os resultados do jogo:
“Apresentar novo plano para análise da construção de decisões jurídicas demanda perceber as condições extra-discursivas que determinam o discurso jurídico, como efeitos da política, ideologia, economia, psicologia, psicanálise, etc., a partir do sujeito singularizado (mapa mental), provido de capacidade limitada de cognição e de inconsciente. Dito de outro modo, os determinantes conotativos que estão no campo da semântica, colmatados a partir do senso comum teórico, em cotejo com a singularidade do caso e do julgador, indicarão as possibilidades de sentido. Desse jogo processual singularizado surge a decisão”[9].
Portanto, devido a:
“inegável a carga de subjetividade inerente a todo ser humano quando exerce qualquer juízo de valor, a decisão judicial proferida por um magistrado, também não se demonstra e nem poderia se demonstrar de forma diferente... A solução do caso e a análise de determinados pedidos não são um dado concreto, mas sim um construído, não há como desconhecer a influência dos aspectos subjetivos, ligados à história do julgador, no momento de realizar escolhas dentre as múltiplas variáveis de decisões”[10]
O processo da tomada da decisão e a metodologia decisional sofrem influências, as quais acarretam alterações na prestação jurisdicional e no julgamento final do caso concreto. As influências podem ser as mais diversas possíveis desde fatores biológicos como a fome[11], o cansaço, o estresse, questões psíquicas como traumas ou abalos emocionais, até mesmo aspectos ideológicos e pessoais do julgador, quer sejam eles sua história[12], seus mestres, suas crenças, etc. Afinal, o julgador não julga contra si próprio, por isso que:
“O mecanismo da decisão é dos mais complexos, o que funda uma decisão escapa em sua essência à Teoria e à Filosofia do Direito e enquadra-se mais profundamente na intimidade do agente da decisão cujo universo é preciso compreender. A autoridade que julga cumpre um dever de Estado e ao mesmo tempo exercita uma parte flexível de suas próprias obrigações e limites no isolamento de sua individualidade e sob o influxo de procedimentos que pendulam entre o conteúdo da decisão e sua exteriorização formal, a sentença”[13].
Tais aspectos influenciadores são denominados, pelo brilhante jurista Alexandre Morais da Rosa, de variáveis as quais possuem capacidade de “mudar e influenciar o rumo do resultado decisional... tanto é assim que em julgamentos colegiados, excluída a má-fé, julgadores divergem, a partir das mesmas provas, sobre a configuração ou não da conduta”[14].
Logo, a decisão judicial obedece a critérios metajurídicos, encontrados na motivação ou subjetividade do julgador, fazendo com que o jurista racionalize ou fundamente nos dispositivos legais e normas constitucionais “a posteriori uma decisão tomada a priori”[15], com objetivo a torna-la admissível à luz do direito positivo.
Notas e Referências:
[1] ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teoria da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014.
[2] MEDINA, José Miguel Garcia. Os novos conceitos de sentença e decisão interlocutória no novo CPC. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-set-08/processo-novos-conceitos-sentenca-decisao-interlocutoria-cpc#_ftnref1>. Acesso em: 22 ago. 2016: “Cf. § 1.º do art. 170, na versão do Senado Federal (“ ressalvadas as previsões expressas nos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 472 e 474, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como o que extingue a execução”), e § 1.º do art. 203, na versão da Câmara dos Deputados (“Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 495 e 497, põe fim ao processo ou a alguma de suas fases”)”.
[3] MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acesso em: 2016 agosto 22.
[4] STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição, fundamentação e dever de coerência e integridade no novo CPC. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-abr-23/observatorio-constitucional-jurisdicao-fundamentacao-dever-coerencia-integridade-cpc; >. Acesso em: 09 novembro 2016.
[5] PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 13. ed. Florianópolis: Conceito, 2015. p. 39: “Quando nós estabelecemos ou propomos uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias que expomos, estamos fixando um conceito operacional”.
[6] PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 13. ed. Florianópolis: Conceito, 2015. p. 27: “denominamos categoria a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma ideia”.
[7] OLIVEIRA, Daniel Kessler de. Razão e emoção no ato de julgar: as contaminações do julgador e seus pré-julgamentos na fase de investigação preliminar. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/cienciascriminais/III/26.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2016: “Trazendo, assim, o debate para o ponto das decisões judiciais, obviamente que devemos estar ciente de que atrás deste ato jurídico, existe uma gama de aspectos subjetivos inerentes a pessoa do julgador, que não podem ser ignorados, até mesmo pelos graves efeitos concretos que projetam na vida das pessoas”.
[8] MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acesso em: 2016 agosto 22.
[9] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a Teoria dos Jogos. 3. ed. Florianópolis: Emporio do Direito, 2016, p. 471.
[10] OLIVEIRA, Daniel Kessler de. Razão e emoção no ato de julgar: as contaminações do julgador e seus pré-julgamentos na fase de investigação preliminar. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/cienciascriminais/III/26.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2016.
[11] KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 50. Disponível em: < https://fernandonogueiracosta.files.wordpress.com/2015/08/kahneman-daniel-rapido-e-devagar-duas-formas-de-pensar.pdf>. Último acesso: 10 dezembro 2016: “Os autores do estudo fizeram um gráfico da proporção de pedidos aprovados em relação ao tempo desde a última pausa para refeição. A proporção conhece picos após cada refeição, quando cerca de 65% dos pedidos são concedidos. Durante as duas horas, mais ou menos, até a refeição seguinte dos juízes, a taxa de aprovação cai regularmente, até chegar perto de zero pouco antes da refeição. Como era de se esperar, esse é um resultado indesejável e os autores verificaram cuidadosamente muitas explicações alternativas. A melhor explicação possível dos dados é uma má notícia: juízes cansados e com fome tendem a incorrer na mais fácil posição default de negar os pedidos de condicional. Tanto o cansaço como a fome provavelmente desempenham um papel”.
[12] MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acesso em: 2016 agosto 22: “Além da racionalidade e dispositivos legais, a decisão traz consigo “a própria trajetória de formação da convicção” que as vezes é derivada e influenciada por fatos anteriores até mesmo da própria carreira do magistrado”.
[13] MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acesso em: 2016 agosto 22.
[14] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a Teoria dos Jogos. 3. ed. Florianópolis: Emporio do Direito, 2016. p. 83.
[15] MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acesso em: 2016 agosto 22.
ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teoria da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 50. Disponível em: < https://fernandonogueiracosta.files.wordpress.com/2015/08/kahneman-daniel-rapido-e-devagar-duas-formas-de-pensar.pdf>. Último acesso: 10 dezembro 2016
MEDINA, José Miguel Garcia. Os novos conceitos de sentença e decisão interlocutória no novo CPC. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-set-08/processo-novos-conceitos-sentenca-decisao-interlocutoria-cpc#_ftnref1>. Acesso em: 22 ago. 2016
MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf>. Acesso em: 2016 agosto 22
OLIVEIRA, Daniel Kessler de. Razão e emoção no ato de julgar: as contaminações do julgador e seus pré-julgamentos na fase de investigação preliminar. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/cienciascriminais/III/26.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2016.
PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 13. ed. Florianópolis: Conceito, 2015.
ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a Teoria dos Jogos. 3. ed. Florianópolis: Emporio do Direito, 2016
STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição, fundamentação e dever de coerência e integridade no novo CPC. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-abr-23/observatorio-constitucional-jurisdicao-fundamentacao-dever-coerencia-integridade-cpc; >. Acesso em: 09 novembro 2016.
Imagem Ilustrativa do Post: november twenty two // Foto de: farrahsanjari // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/farrahsanjari/6385680497
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode