Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta
O texto da Coluna de hoje trata-se de Parecer por nós redigido, no âmbito da Comissão de Procuradores Estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina, para subsidiar manifestação da OAB/SC a propósito de projeto de lei que então tramitava na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina em dezembro de 2021, sobre o percebimento de honorários advocatícios pelos Procuradores do Estado de Santa Catarina.
Considerando a aprovação do referido projeto e a proximidade do cumprimento efetivo da lei se mostra oportuno a presente publicação, ao mesmo tempo em que se faz necessário o agradecimento público à Diretoria da OAB/SC da época, nas pessoas do Presidente, Rafael de Assis Horn, e do Vice-Presidente, no exercício da presidência naquela oportunidade, Mauricio Alessandro Voos.
PARECER
Excelentíssimo Senhor Presidente, e.e., da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina,
I. OBJETO E OBJETIVO DA MANIFESTAÇÃO
1. O processo em epígrafe foi distribuído para a Comissão de Procuradores Estaduais em razão de Ofício do Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina. Na missiva, ao tempo que noticia o envio de projeto de lei do Governador do Estado que, dentre outras questões, disciplina a distribuição de honorários advocatícios em favor dos membros da advocacia pública estadual, solicita “o apoio dessa Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina, em relação à tramitação legislativa do presente projeto de lei”.
2. Com o desiderato de contribuir, portanto, com a decisão da OAB de Santa Catarina, é mister destacar o quanto segue.
II. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DA ADVOCACIA PÚBLICA
3. O direito ao recebimento de honorários advocatícios principia-se na própria Constituição Federal, que dispõe ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (art. 5º, XIII).
4. Para concretizar os preceitos constitucionais, dentre os quais o disposto no destacado art. 5º, XIII, o constituinte originário disciplinou, considerando o regime federativo de Estado, competências legislativas. No Estado Federal as competências legislativas, para cada esfera de ente federativo são delimitadas, portanto, no texto constitucional, conforme se nota na Constituição Federal nos artigos 22, 24, 25 e 30.
5. Com José Afonso da Silva é pertinente afirmar que o “princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local”[i].
6. Especificamente em relação ao exercício da atividade profissional de Advogado, a regulação e qualificações de tal profissão se deram pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB), Lei Federal n. 8.906, de 4 de julho de 1994. Veja-se que o EOAB é lei federal, em cumprimento à competência legislativa privativa da União para legislar sobre “direito civil” e “organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões”, conforme incisos I e XVI, do art. 22, da Constituição Federal.
7. Os honorários advocatícios são um direito sabidamente híbrido, porquanto tem natureza de direito material civil e de direito processual. Nesse sentido: REsp 1644846/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/06/2017, DJe 31/08/2017; AgInt no REsp 1481917/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 04/10/2016, DJe 11/11/2016.
8. Pois bem, ambas naturezas legislativas – material civil e processual – são de competência privativa da União, que as exerceu completamente, porquanto se tratam de temas de interesses geral e nacional e, consequentemente, devem ter tratamentos uniformes na Federação brasileira.
9. Os direitos material e processual civis dos honorários advocatícios foram tratados tanto no EOAB, em Capítulo específico (Capítulo VI do Título I), nos artigos 22 a 26, como no Código de Processo Civil, revogado e atual. Entre destacados preceptivos legais se faz necessário atentar para os arts. 21 a 23 do EOAB[ii].
10. Não é despiciendo lembrar que, conforme o próprio EOAB, exercem “atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública[iii] e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional” (Art. 3º, § 1º). Em outras palavras, recebem honorários advocatícios quem tem capacidade postulatória.
11. Daí que o projeto de lei objetiva, portanto, regulamentar procedimentalmente em âmbito estadual – já que o direito sobre tal verba é de competência legislativa da União, que já foi concretizado, como disposto -, o percebimento de honorários pelos Procuradores do Estado de Santa Catarina.
12. A propósito, mais de uma dezena de Estados já dispunham dessa lei regulamentadora do exercício do direito estabelecido pelo legislador federal, muitas antes do próprio EOAB[iv].
12. E, após o CPC/2015 foram editadas legislações por todos os Estados, além da União, através da Lei Federal n. 13.327/2016[v].
13. Releva atentar, portanto, que somente uma unidade da Federação brasileira não concretiza o direito aos honorários advocatícios de forma efetiva, que é justamente o Estado de Santa Catarina. O projeto de lei, nesse cenário, além de oportuno e constitucional, corrige uma distorção e uma diferenciação de âmbito nacional.
14. Daí não haver outra possibilidade jurídica que assentar que é extremamente relevante que haja o exercício de competência legislativa, pela Excelsa Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, no sentido de aprovar o projeto de lei para o efetivo pagamento dos honorários advocatícios aos Procuradores do Estado de Santa Catarina, concretizando para esses advogados, finalmente, um tratamento isonômico entre todos os membros da Advocacia Pública nacional e estadual na Federação Brasileira.
II.1 A consolidação da interpretação do Supremo Tribunal Federal
16. O Supremo Tribunal Federal foi acionado por dezenas de ações de controle concentrado de constitucionalidade propostas pelo Procurador-Geral da República. A rigor, foram propostas 27 (vinte e sete) ações: uma contra a Lei Federal 13.327/2016, que dispõe sobre honorários de sucumbência nas causas em que União, suas autarquias e fundações são parte, e, as restantes, contra leis dos Estados. Todas tiveram a admissão do Conselho Federal da OAB, na qualidade de amicus curiae, defendendo as prerrogativas da advocacia pública e o seu inerente direito aos honorários advocatícios.
17. Veja-se que, se o Brasil é composto por 27 unidades federativas, incluído o Distrito Federal, além da União, somente um Estado não teve lei impugnada no Supremo Tribunal Federal, o Estado de Santa Catarina, justamente em razão de seus Advogados Públicos não perceberem honorários advocatícios.
18. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento finalizado em 22.06.2020, reconheceu a constitucionalidade do percebimento de honorários advocatícios pelos advogados públicos, limitando, contudo, o seu valor ao teto remuneratório do funcionalismo público. Eis, a título ilustrativo, a ementa da ADI 6.053:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. INTERDEPENDÊNCIA E COMPLEMENTARIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS PREVISTAS NOS ARTIGOS 37, CAPUT, XI, E 39, §§ 4º E 8º, E DAS PREVISÕES ESTABELECIDAS NO TÍTULO IV, CAPÍTULO IV, SEÇÕES II E IV, DO TEXTO CONSTITUCIONAL. POSSIBILIDADE DO RECEBIMENTO DE VERBA DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA POR ADVOGADOS PÚBLICOS CUMULADA COM SUBSÍDIO. NECESSIDADE DE ABSOLUTO RESPEITO AO TETO CONSTITUCIONAL DO FUNCIONALISMO PÚBLICO. 1. A natureza constitucional dos serviços prestados pelos advogados públicos possibilita o recebimento da verba de honorários sucumbenciais, nos termos da lei. A CORTE, recentemente, assentou que “o artigo 39, § 4º, da Constituição Federal, não constitui vedação absoluta de pagamento de outras verbas além do subsídio” (ADI 4.941, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Relator p/ acórdão, Min. LUIZ FUX, DJe de 7/2/2020). 2. Nada obstante compatível com o regime de subsídio, sobretudo quando estruturado como um modelo de remuneração por performance, com vistas à eficiência do serviço público, a possibilidade de advogados públicos perceberem verbas honorárias sucumbenciais não afasta a incidência do teto remuneratório estabelecido pelo art. 37, XI, da Constituição Federal. 3. AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. (ADI 6053, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-179 DIVULG 16-07-2020 PUBLIC 17-07-2020 REPUBLICAÇÃO: DJe-189 DIVULG 29-07-2020 PUBLIC 30-07-2020)
19. Do voto vencedor do Ministro Alexandre de Moraes se extrai, por pertinente:
A possibilidade de aplicação do dispositivo legal que prevê como direito dos advogados os honorários de sucumbência também à advocacia pública está intimamente relacionada ao princípio da eficiência, consagrado constitucionalmente no artigo 37, pois dependente da natureza e qualidade dos serviços efetivamente prestados. No modelo de remuneração por performance, em que se baseia a sistemática dos honorários advocatícios (modelo este inclusive reconhecido como uma boa prática pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE), quanto mais exitosa a atuação dos advogados públicos, mais se beneficia a Fazenda Pública e, por consequência, toda a coletividade. Por outro lado, ao contrário do que uma leitura isolada do art. 39, § 4º, da Constituição Federal pudesse sugerir, o conceito de parcela única espelhado nesse dispositivo constitucional apenas repele o acréscimo injustificável de espécies remuneratórias ordinárias, devidas em decorrência do trabalho normal do servidor submetido a regime de subsídio, sem impedir, em linha de princípio, a percepção de outras verbas pecuniárias que tenham fundamento diverso, a exemplo das verbas honorárias sucumbenciais, fundadas no fato objetivo do resultado da demanda... [...] Assim, em relação à observância do teto remuneratório constitucional, previsto no artigo 37, XI, da Constituição Federal, pouco importa a discussão sobre a natureza jurídica da verba honorária sucumbencial, detalhada pela Advocacia-Geral da União (doc. 96), mas sim o fato de serem percebidas pelos advogados públicos como parcela remuneratória salarial e, consequentemente, estarem sujeitas ao limitador previsto constitucionalmente. A possibilidade de percepção de honorários sucumbenciais por parte dos advogados públicos, portanto, não se desvencilha por completo das imposições decorrentes do regime jurídico de direito público a que se submetem esses agentes públicos, pois são valores percebidos por agentes públicos em função mesmo do exercício de cargo estritamente público. Por essa razão, nada obstante compatível com o regime de subsídio, sobretudo quando estruturado como um modelo de remuneração por performance, com vistas à eficiência do serviço público, a possibilidade de advogados públicos perceberem verbas honorárias sucumbenciais não afasta a incidência do teto remuneratório estabelecido pelo art. 37, XI, da Constituição Federal.
20. Nesse mesmo sentido, apenas com uma ou outra alteração pontual, se seguiram os julgamentos das demais ações, podendo se referenciar, por ora: ADI’s 6.183/RS, 6053/DF, 6165/TO, 6178/RN, 6181/AL, 6197/RR, 6159/PI, 6162/SE, 6163/PE, 6166/MA, ADPF 597/AM, 6182/RO, 6135/GO, 6160/DF, 6169/MS, 6177/PR, 6161/AC, 6158/PA e 6171/MG.
21. Essa é, portanto, a consolidação da jurisprudência da Corte Constitucional brasileira, a de que é constitucional que os advogados públicos recebam honorários advocatícios, desde que limitado ao teto da remuneração do serviço público, o que, inclusive, expressamente ressalva o projeto de lei.
III. CONCLUSÃO
22. Nos termos expostos, em atenção à solicitação do Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina, opina-se pelo APOIO ao projeto de lei sobre honorários advocatícios para os Procuradores do Estado de Santa Catarina, de modo que, se assim se entender, se mostra oportuno apresentar manifestação formal nos autos do processo legislativo em curso, com o desiderato de demonstrar a importância e constitucionalidade da matéria para os Exmos.(as) Deputados e Deputadas da Colenda Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina.
Essa a manifestação.
Notas e Referências
[i] Curso de Direito Constitucional Positivo, 13. ed., São Paulo: Editora Malheiros, 1997, p. 454, grifos no original.
[ii] Art. 21. Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados. Parágrafo único. Os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo. Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
[iii] Nas ADIs 4636 e 5334, com julgamento não finalizados, o Supremo Tribunal Federal definirá sobre a (in)constitucionalidade dos membros das Defensorias Públicas se submeterem ao EOAB.
[iv] São Paulo: Lei Complementar n. 93/1974; Alagoas: Lei Complementar n. 7/1981; Rio de Janeiro: Lei Complementar n. 772/1984; Rondônia: Lei Complementar n. 20/1987; Amazonas: Lei n. 1.807/1987; Espírito Santo: Lei n. 4.08/1992; Distrito Federal: Lei Complementar n. 4/1994; Maranhão: Lei Complementar n. 20/1994; Sergipe: Lei Complementar n. 27/1996; Tocantins: Lei Complementar n. 20/1999; Pará: Lei Complementar n. 41/2002; Mato Grosso do Sul: Lei 3.151/2005; Piauí: Lei Complementar n. 56/2005; Ceará: Lei Complementar n. 5/2006; Mato Grosso: Lei Complementar 305/2008; Minas Gerais: Lei n. 18.017/2009; Paraíba: Lei n. 9.004/2009; Ceará: Lei Complementar n. 134/2014.
[v] Amapá: Lei Complementar n. 89/2015; Paraná: Lei n. 18.748/2016; Goiás: Lei Complementar n. 123/2016; Acre: Lei Complementar n. 318/2016; Pernambuco: Lei n. 15.711/2016; Bahia: Lei Complementar n. 43/2017; Rio Grande do Norte: Lei Complementar n. 528/2018.
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