Por Charles M. Machado – 22/03/2016
A Constituição Federal ao distribuir as competências ao sentes Federativos, destinou a União a possibilidade de exigir tributo sobre produtos industrializados.
Dessa maneira a previsão da Magna Carta ficou assim em seu texto: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I – importação....;
II – exportação..................;
III - renda e proventos ..............;
IV - produtos industrializados;
Sobre o IPI o texto limita o exercício da Competência Impositiva da seguinte maneira:
Art. 153........
.....
§ 3º O imposto previsto no inciso IV:
I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;
III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.
IV - terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Nota-se que tal qual o ICMS, o IPI também é não cumulativo, ou seja a saída negocial gera débito e a entrada no estabelecimento gera crédito, a esse procedimento chamamos de não cumulatividade, mas qual a importância disso para o caso.
Ocorre que nas mercadorias comercializadas e que no caminho do destino final são roubadas, algo muito comum no Brasil, estradas a fora, o roubo de carga vinha punindo a empresa por diversas formas.
Primeiro que onerava o seu frete, visto serem muitas das cargas visadas para o roubo por quadrilhas, e depois por fazer a empresas pagar o IPI, duas vezes, uma vez que tal tributo é apurado por regime de competência e não de caixa, ou seja a mercadoria roubada, gerava débito de ipi, entre outros tributos e depois para repor o pedido não entregue a empresa gerava débito novamente, pagando IPI duas vezes.
Outros princípios são também norteadores do IPI, entre o principal deles está o da seletividade, que permite com que o mesmo seja tributado com alíquotas diferentes por para produtos distintos.
Considerando isso a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou decisão do ministro Dias Toffoli que negou seguimento ao Recurso Extraordinário (RE) 799160, no qual a União questionava acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que afastou a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de cargas de cigarro roubadas após a saída do estabelecimento comercial.
Para o relator, a questão foi resolvida pelo STJ com fundamento no Código Tribunal Nacional (CTN), não envolvendo matéria de natureza constitucional a ser apreciada pelo Supremo.
Com isso o caso que teve início em ação ajuizada na Justiça Federal no Rio Grande do Sul pela Philip Morris Brasil S/A para extinguir execução fiscal movida pela União visando ao recolhimento do tributo sobre produtos roubados no período de março de 1999 a dezembro de 2002.
A empresa reforçava a tese de que como as mercadorias roubadas não chegam ao seu destino por motivo de crimes investigáveis pelo Poder Público, o negócio jurídico decorrente da saída do cigarro da fábrica não se concretiza. Assim, a empresa não recebe qualquer valor pela industrialização do seu produto e sofreria duplo prejuízo com a cobrança do IPI.
O STJ, em julgamento de recurso especial, firmou o entendimento de que a mera saída de mercadoria não caracteriza, por si só, a ocorrência do fato gerador do IPI, sendo necessária a efetivação da operação mercantil.
Em recurso ao STF, a União sustentava que o STJ teria afastado, sem a observância da cláusula de reserva de plenário, previsão do artigo 97 da Constituição Federal:
“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. (Vide Lei nº 13.105, de 2015)
Onde se lê em Lei ordinária: “Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
§ 1o O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.
§ 2o O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento.
Ainda sobre o perfil jurídico do IPI, o mesmo encontra-se previsto no Código Tributário nacional, em seu artigo 46:
“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.
Nota-se que o mesmo raciocínio serve para o perdimento da mercadoria em demais hipóteses do fato gerador previsto, sempre que o mesmo não ocorra com a entrega efetiva da mercadoria. Ainda no artigo 47, ao definir a base de cálculo do IPI, o legislador infraconstitucional faz menção ao momento em que ocorrer a saída da mercadoria
II - no caso do inciso II do artigo anterior:
a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria;
b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente;”
O aferimento da base, é fundamental para definição do seu quantum, porém a hipótese de incidência só esta completa com a entrega efetiva da mercadoria, sem a qual, no caso de roubo ou perdimento a mesma não ocorreu.
Nota-se que a não cumulatividade, encontra-se prevista no CTN, em seu artigo “Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.
Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte transfere-se para o período ou períodos seguintes.
Como se percebe da leitura do dispositivo, o IPI, opera sobre a lógica de conta gráfica, com apuração de débito e crédito, logo a mercadoria que não entra no estabelecimento do comprador não gera crédito, por isso não poderia se falar de débito na saída do vendedor, no caso das mercadorias roubadas.
A decisão ataca ainda o parágrafo 3º, alínea “c”, da Lei 9.523/1997, que impõem a cobrança ainda que roubada a mercadoria, após sua saída do estabelecimento. “ Art. 39. Poderão sair do estabelecimento industrial, com suspensão do IPI, os produtos destinados à exportação, quando:
I – ......;
II - ......
§ 1º Fica assegurada a manutenção e utilização do crédito do IPI relativo às matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem utilizados na industrialização dos produtos a que se refere este artigo.
§ 2º Consideram-se adquiridos com o fim específico de exportação os produtos remetidos diretamente do estabelecimento industrial para embarque de exportação ou para recintos alfandegados, por conta e ordem da empresa comercial exportadora.
§ 3º A empresa comercial exportadora fica obrigada ao pagamento do IPI que deixou de ser pago na saída dos produtos do estabelecimento industrial, nas seguintes hipóteses:
a) transcorridos 180 dias da data da emissão da nota fiscal de venda pelo estabelecimento industrial, não houver sido efetivada a exportação;
b) os produtos forem revendidos no mercado interno;
c) ocorrer a destruição, o furto ou roubo dos produtos.
§ 4º Para efeito do parágrafo anterior, considera-se ocorrido o fato gerador e devido o IPI na data da emissão da nota fiscal pelo estabelecimento industrial.
Para todos esses casos utiliza-se o regime de competência e não de caixa, o que no caso de mercadorias roubadas, furtadas ou com perdimento implicaria para o Fisco em enriquecimento sem causa, algo vedado pelo mandamento Constitucional.
Nota-se que a União, ainda afirmou que o artigo 153, inciso IV, da Constituição Federal não prevê como hipótese fática para a incidência do IPI a realização de operações que transfiram a propriedade ou posse dos produtos industrializados.
Ocorre que em dezembro de 2015, o ministro Dias Toffoli negou seguimento ao recurso da União, que interpôs o agravo regimental julgado nesta última terça-feira (15) pela Segunda Turma.
Decisão
No julgamento, o relator reiterou os fundamentos da decisão monocrática, observando que o STJ não declarou a inconstitucionalidade do artigo 46 do CTN, mas interpretou-o no sentido de que a “saída” diz respeito ao aspecto temporal do fato gerador, e não o fato gerador em si. Afastou, assim, a alegada violação à cláusula de reserva de plenário. Quanto à Lei 9.532/1997, destacou que o acórdão recorrido não fez qualquer referência a essa norma.
O Ministro assinalou que o tema oscilou no âmbito do STJ, que, num primeiro momento, se posicionou no sentido de que o roubo ou furto de mercadorias é risco inerente à atividade industrial, e se os produtos forem roubados depois da saída, devem ser tributados. Posteriormente, porém, houve alteração desse entendimento para o de que a saída da mercadoria, sem a consequente operação mercantil, é insuficiente para caracterizar a ocorrência do fato gerador.
“Os fundamentos que alicerçaram o entendimento do STJ foram extraídos do CTN”, afirmou. “Portanto, eventual afronta ao texto constitucional, caso ocorresse, seria meramente reflexa ou indireta, não ensejando a abertura da via extraordinária”. O ministro entendeu que a matéria relativa ao fato gerador do IPI não apresenta natureza constitucional e citou vários precedentes da Corte nesse sentido.
Por unanimidade, a Turma negou provimento ao agravo, confirmando a decisão monocrática que negou seguimento ao RE.
A decisão, dá aos casos de furto, roubo ou perdimento a compreensão de que o fato gerador se completa pela concretização do ato negocial, e que o mesmo ocorre com o pagamento, em que pese a apuração ocorrer, por comodidade, por regime de competência.
O mesmo raciocínio permite ser estendido para outros tributos.
Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: [email protected]
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